sexta-feira, 19 de agosto de 2011

ESTIGMA - A LOUCURA NÃO PSIQUIATRIZADA

29/04/2011
Operação policial na Praça Sete em BH
apreende produtos de hippies e gera revolta

A intolerância à diferença numa campanha de higienização social em Belo Horizonte. Ensaio baseado no vídeo-documentário de Rafael Lage: “A criminalização do artista – como se fabricam marginais em nosso país”.


Há muito tempo atrás escrevi um poema sobre os mendigos, "quase sempre todos cinzas", inspirado em Caetano Veloso. Não sei onde foi parar o poema, nem muito menos faço ideia de onde tirei Caetano do seu sono bastardo para falar sobre essa população de rua. Morava em Minas e lá, apesar de ter mendigos, não como em grandes megalópoles, tinha também um outro estrato de população de rua bem parecidos com eles mas muito diferentes também. Nessa época eu estagiava num hospital psiquiátrico em Barbacena, a chamada "cidade dos loucos", devido à quantidade de manicômios presentes nela, como herança de um tempo e de uma historicidade que seria melhor esquecer. 

FHEMIG - CHPB
Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena
Eu, então estudante de psicologia, amante de Nietzsche, Deleuze, Foucault, dentre outros, descobria esse mundo novo e me apaixonava como se fosse à mulher de minha vida e, cedo, passei a ser palestrante na Faculdade em que eu era aluno e na instituição psiquiátrica a qual eu trabalhava. Certa vez falei para todo corpo clínico dessa famosa instituição e o tema foi: "A História da Loucura em Michel Foucault". Com o aval de minha orientadora, encarei o desafio e toda a ordem psiquiátrica que se fez ouvidos naquilo que julgaram "desaforo" com o conteúdo exposto a todos. Dava para ver a indignação dos médicos, afetados em seus saberes nunca supostos cujas perguntas demonstravam explicitamente o incômodo por aquela manhã foucautiana dentro da FHEMIG - quase um acinte falar de Foucault dentro de um hospital psiquiátrico. Mas eu era um jovem tão petulante e desafiador que fazia do meu próprio medo de enfrentamento uma entrega ao encontro dele mesmo e numa velocidade esteticamente suicidária – à maneira de James Dean em seu Porsche 550 naquela reta infinita (ao invés de usar o freio a motor, ele acelerou ainda mais em direção ao devir).

Hippies - Paz e Amor
Eu aqui falando de loucos psiquiatrizados, da ordem normatizada antes da luta antimanicomial, mas na verdade querendo falar de um estrato de loucura que não é exatamente aquela dos andarilhos nas estradas, nem também dos mendigos quase todos cinzas embaixo das marquises, em frente aos bancos e repartições públicas demandando piedade e lembrando-nos em suas misérias que cristo parecia com eles, mas quero trazer uma breve reflexão daqueles artesãos de rua, quase sempre confundidos com mendigos, bandidos e drogaditos, quase sempre todos loucos que abandonaram o sistema, a família, a ordem estabelecida para estampar nas ruas um movimento muito próprio de contracultura cuja origem se deu nos idos de 68 no chamado movimento hippie onde o lema era "paz e amor". Inevitável atrelar como pecha pejorativa a este movimento neo-hippie suas vinculações com os quatro segmentos decalcados. A maconha sempre foi para eles  a companheira da solidão e se a usam é porque assumir uma invisibilidade social num mundo feito de imagens, feito para os "vencedores", é doloroso demais atravessá-lo "careta", então, fazer caretas, desenhar e esculpir caretas em durepoxi, é ao mesmo tempo fazer o auto-retrato de suas próprias caricaturas, rostidade outras onde a máscara é o verdadeiro rosto. Como interditar movimentos tão espontâneos e colocá-los freudianamente a serviço da realidade? São apenas loucos não psiquiatrizados, estes invisíveis sociais que se recusaram ao adestramento da família, da escola e do socius (que sempre separa o diferente do normal, o bonito do feio, o rico do pobre), mas que se diferenciam dos mendigos, bandidos e adictos por viverem seus nomadismos em busca de esculpir suas rostidades.

Artesãos de potências nômades
Tantos estigmas carregam em suas mochilas que, embora não sejam mendigos profissionais, bandidos cometendo latrocínios, drogaditos vivendo em cracolândias ou loucos psiquiatrizados amansados pela química medicamentosa, ainda assim, carregam neles, todos estes estigmas em suas bagagens tal como se fossem tudo isso e merecessem o rigor da lei e a punição do grande pai que sustenta um projeto de felicidade individual do sujeito bem sucedido, do vencedor que nunca fracassa, perde ou erra, deste que usa e usurpa o poder, esta paixão triste, para esmagar a alegria da potência, da descoberta pueril, do caminho da arte feita com as mãos calejadas, sujas, imundas, repletas de bactérias que tanto nauseiam os precursores da assepsia, do discurso limpo, do rosto maquiado, da beleza estonteante, do sucesso que abre portas, de tudo aquilo que idealizou-se acreditar como sendo virtuoso, bom e salutar. Eis que estes quase-mendigos, quase-bandidos, quase-drogaditos de cracolândias, quase-loucos lobotomizados nos depósitos manicomiais, continuam entre nós nas ruas, nas esquinas, nas modas que insistem em voltar e adornar as novas gerações.

A escuta atenta - O Anti-Édipo
Na verdade somos todos (quase sempre todos) cinzas e não há diferença alguma da segregação dos tempos atuais daquelas dos idos da Idade Média onde num primeiro momento era interessante ver a loucura no outro porque ela refletia o quanto o indivíduo aliviado não era aquele desarrazoado que perambulava falando sozinho pelas ruas e maltrapilho. Mas isso foi ganhando ao longo dos anos  mais adeptos que a loucura precisou ser confinada, deslocada do seio familiar e das ruas para os antigos leprosários. Assim nasceu a escola, o hospital, a prisão, a família, tudo mediado por um Deus que iria perdoar a todos quando partissem desse para o além-mundo. Imundo. I-mundo, na verdade, é a ausência desse mundo degradado tido como real, não exatamente sinônimo de sujeira, banditismo, drogadição mortífera ou surto psicótico. Há um devir inventivo fabuloso nestes quase-loucos-cinzas apesar de carregarem como arquétipo coletivo um inevitável estigma de tudo o que há de mais degradante no indivíduo e na sociedade mas também, contraditoriamente, no limpo indivíduo branco, bem sucedido, centrado e neoliberal: o pequeno burguês imbecil, portador do sujo-segredo-familiar.

Isabeli Fontana e Rohan Marley
As lindas meninas da zona sul que o digam. Elas não se curvariam ante suas pulseiras e penduricalhos se não sentissem uma necessidade quase sexual de receptarem essas bactérias e anexarem em suas belezas tão insossas mas abertas ao que há de mais sórdido e saboroso no encontro com o diferente. Cansadas do mais do mesmo, acabam de alguma maneira, intuindo que o bom sabor está na gordura, no marginal, no devir-bandido, na entrega sem reservas ao canalha que as enche de prazer, naquele que cospe em sua boca e mata sua sede assim, na experimentação do i-mundo, este outro mundo menos coberto de fantasias e sentido a plenos pulmões, no encontro com aquilo que a tradição, a família e o direito privado mais abominam por temer que potências se desloquem daí e embaralhem os devires da filha recatada, ou da esposa submetida a sonhos que não saciam mais cujos neo-hippies, em suas inocentes feições artísticas, e flertando com o devir "fora da ordem", nos traz a título de reflexão social e sexual, um mundo que não conhece nem mesmo sobre o próprio ideal de limpeza em que se propõe, quanto mais do "perigo" que este povo de rua supostamente enseja às suas noções de estética/beleza. 

Os "bons" sentem-se agredidos e a ideia é sempre a mesma, vamos varrer e limpar a humanidade da pobreza, da feiúra, da doença, qual seja, da diferença, apenas não se dão conta que este mesmo i-mundo frequenta cada vez mais seus lares, suas instituições, e estão ensinando suas filhas a gozarem lindamente, além de estar presente  em suas fantasias mais incautas e perversas, onde, claro, irão negar até a morte em nome de uma autoridade inteiramente falida. Ironias da contradição. Tanto melhor. Aqui não adianta latir, tem que morder!
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Este texto é dedicado a Laio Bispo, amigo baiano que tuitou esse vídeo há poucas horas e acabou inspirando este breve ensaio. Repasso o belo documentário feito por Rafael Lage chamado A criminalização do artista. Tempo de duração: 17' 51''.

Irlan Farias


quarta-feira, 8 de junho de 2011

A ALEGRIA COMO FORÇA REVOLUCIONÁRIA

Ética e estética dos afetos
Daniel Lins
Apresentação – Márcia Tiburi

Daniel Lins - O Artesão do Corpo sem Órgãos
É com imensa satisfação que apresento o escritor e filósofo Daniel Lins, autor de livros como, “Artaud – O Artesão do Corpo sem Órgãos”, “Lampião – O Homem que Amava as Mulheres”, “Juízo e Verdade em Deleuze”, dentre outros, mediado pela escritora e filósofa gaúcha, Márcia Tiburi, num bate-bola incrível no programa Café Filosófico da Rede Cultura em 2009. Passeiem por este breviário dos mais belos que pude assistir deste grande filósofo - para mim, um dos maiores leitores de Gilles Deleuze que já tivemos notícia. IFarias

Não vamos falar sobre a alegria, vamos falar com alegria. Pode ser mais interessante falar com porque falar sobre pode ainda guardar uma certa distância. Na filosofia antiga, como em Fedro de Platão, a alegria era considerada como uma mania, um delírio, uma loucura. Então a alegria associada à mania é o que designaria a presença do Divino. Este divino é o que tem uma força transformadora e incentivadora do sujeito que vai fazer com que desta relação ecloda o sujeito no mergulho na própria alegria. Se loucura e o divino existem é porque mergulhar na alegria não é sem consequência para o sujeito. Tem tanta consequência que esse sujeito sai eclodido, transformado por este encontro. Sentir-se alegre é, portanto, da ordem do encontro, e, como tal, pode ser também com a loucura. Para usufruir desta alegria é preciso se colocar no espaço, eu diria, de uma certa loucura que não seja uma loucura psiquiátrica, mas sim na loucura do filósofo. Não precisa chegar a Diógenes e sair procurando a verdade, não é isso, mas é preciso uma certa loucura não psiquiatrizada para poder aguentar os fluxos e os refluxos da alegria. 


Daniel Lins e Márcia Tiburi
Café Filosófico TV Cultura
Márcia Tiburi – Qual é a diferença entre a loucura do filósofo com a loucura psiquiatrizada. Como o sujeito percebe a diferença nele?


Daniel Lins – Ele percebe a diferença quando em seu cotidiano a loucura se transforma numa estética e numa ética dos afetos, que é o lugar da alegria, portanto, de uma loucura não psiquiatrizada, não analisada, não domada. E qual é a loucura não domada? É a loucura da alegria que faz com que eu vá me perder: ninguém sai isento da alegria. Para ser alegre eu tenho que me perder e não tenho garantia de me encontrar porque a alegria é uma experiência, um encontro e não necessariamente o encontro com o sujeito homem, mas de um encontro à maneira de Spinoza, do panteísmo, onde tudo é sagrado, entretanto, não se deve dar ao sagrado uma concepção religiosa. A alegria do filósofo é estética, ela supõe uma ética, portanto, uma contaminação dos afetos. Não tem retórica, portanto, não se sai ileso da experiência da alegria. Se você pegar um bebê rindo ele está em pleno gozo. É lindo sentir isso de perto. É tão forte esta alegria que aproxima-se da noção inicial dos antigos que tomaram a alegria como delírio. É este delírio que eu chamaria de uma espécie de perda de órgãos, perda de organismos. Por outro lado é muito difícil ficar feliz se você tiver o tempo todo a consciência presente. Se a presença da consciência abafar o seu bom delírio, a sua boa alegria, dificilmente você vai investir no não-investimento, que é entrar no delírio do poeta, ou como diz Deleuze, 'a alegria do pintor é quando ele descobre a cor'. Lindo isso, mas tem que ser “louco” para ficar alegre assim, tem que ter a virtude desta loucura não psiquiátrica, ou a exultação quando você está escrevendo para se perder a consciência.

Grand Jete - grande salto
Neste momento você é o jogador de futebol, o surfista, a bailarina, onde ela só pode dançar na alegria. E a alegria não é, em geral, o lugar da consciência, ela tem de ser uma produtora da inconsciência para poder voar. E ela, a bailarina, não vai voar com os órgãos, então ela tem de perder os órgãos. Perder os órgãos não é abandonar teu organismo, o teu baço, o teu rim, não é isso, é simplesmente dar um tempo a este corpo que é maravilhoso mas totalmente dominado, controlado pelo organismo. Ou você tem a ausência do organismo como força, muitas vezes de afetos negativos (e de tristezas, afecções de tristezas), ou, caso contrário, é difícil ser feliz. A felicidade não é neurótica, a felicidade é mais ou menos como o mar, ela não precisa de psicanalista, ela é louca, quem precisa de psicanalista somos nós, neuróticos, o louco não precisa de psicanalista.
Márcia Tiburi – Como se fez o neurótico? Ele veio da racionalidade, é um fruto do que? Que ordem é essa que você está falando? Que organismo é esse?

Desterro
Daniel Lins – São tantos os caminhos que nos levam a neurose e eu diria que uma das coisas mais fortes que nos empurra para ela é o fato de sabermos que somos finitos. E qual seria o papel da alegria nesta finitude? Pensar na morte é uma afecção triste, engole o mínimo de alegria que possamos ter conosco. Qual o papel da alegria? Não é entrar no processo de denegação e dizer: 'a morte não existe', não se trata disso, isso seria a loucura psiquiátrica. A boa loucura é aquela da alegria em relação com a morte. É você conseguir a partir da realidade da morte (que pode nos levar a um processo de neurose sem retorno) onde nossa grande força não é evitar este enfrentamento, mas é trabalhar este saber-morte com o sabor-alegria, é dar ao saber-morte o sabor-da-alegria. Eu não nego a morte mas eu me autorizo a não deixar que esse sentimento de tristeza possua o meu corpo, que ainda é a minha alma, então aí a alegria surge. A neurose vai haver mas é muito difícil ela se manter numa coabitação com a alegria porque o próprio do neurótico é: “Ninguém me ama / Ninguém me quer / Ninguém me chama de meu amor” (cantarola). Essa demanda de amor é indigna. Não temos que ficar numa demanda de amor. Nós temos que inventar as relações e, para isso, temos um elemento essencial: nós não vamos reproduzir, nós vamos produzir e aí surge a alegria. A alegria é quando você treme, vibra, é quando seu amigo morreu, sua mãe morreu, e dentro da sua casa morre-se por todos os lados mas você não vai absolutamente homenagear a morte, a ausência, dando razão ainda a essa fatalidade, portanto, eu vou produzir fluxo de alegria criando uma memória que é a memória do esquecimento, este é o fundamento da neurose. Como coabitar com a neurose? Como fazer sua gestão? Dando cambalhota na neurose. Fazendo careta para ela. Citando Jacques Brel, autor de Ne Me Quitte Pás e outras 1500 canções, ele diz, Eu quero alegria e faço careta para a morte. Não se nega a morte. Não se entra no discurso psicótico da denegação. Se a morte existe, e se eu sei que ela existe, e se é verdade que ela existe, é que a verdade não é verdadeira. A alegria não entra por aí. Esse é um discurso muito próximo da psiquiatria.

Nietzsche Spinozista
 "O bom encontro"
Capitalizamos a ideia da morte, da finitude e acreditamos num pensamento imagético sobre ela que é aquilo que nos foi dado como deveríamos pensar. Pensar sobre a morte com estas afecções tristes, ainda é uma espécie de preguiça - que nós estamos vivendo tanto no nosso Brasil. Preguiça de ser feliz. E essa preguiça tem levado um país inteiro a entrar numa espécie de júbilo quase parecido com a fase do espelho, onde a criança descobre que não está mais sozinha, que existe a outra, a mãe, em que entra na jubilação, essa existência do outro não deixa de ser ao mesmo tempo algo perigoso para você, 'eu não estou sozinho'. E não estando sozinho vou ter de compartilhar. O que eu vou fazer sozinho senão repetir o Zaratustra de Nietzsche: 'O que seria do pôr do sol se eu não existisse para dizer que ele é belo'. Ele não existiria.
Olho de vidro
A TV e o estado de exceção da imagem
Márcia Tiburi
E qual é o problema da preguiça? - Nós refletimos. Estamos na era da reflexão – todo mundo reflete - e nós refletimos o que? Este pensamento imagético. Que pode ser pensado mas que já está mastigado. Então você reflete o que? O que você vê na imprensa, o que você escuta na televisão. Essa reflexão é a última da globalização e assim somos todos inteligentes porque refletimos. Eu proponho nesta relação de saneamento, sobretudo da alegria como um bem social e um direito social, como uma produção de vida e que todos nós, correndo, comecemos a ser alegres, quer dizer, revolucionários. Só a alegria e o desejo são revolucionários. E essa alegria e este desejo não passa pela imitação mas pelo pensamento. - Ah, mas pensar dói. Sim, dói, como parir também dói e estamos todos aqui. Mas o que dói mais é quando a alegria não tem mais possibilidade de aterrissar. É quando a dor começa a doer. A tristeza vem de uma tal maneira que só sobrou uma coisa: o lam ento. Sou criminoso antes de cometer meu crime.E cadê o lugar para a alegria? Eu acredito muito na força do pensamento porque acho que pensamento é criação, não é imitação, é devir. E devir é aquilo que está por vir. Aquilo que eu vou inventar. O que eu invento ainda é um resultado de um encontro, só que neste encontro passou algo que não é da ordem da reflexão, é da ordem do corpo porque o corpo pensa. O que aconteceu comigo neste encontro? Houve uma transformação. Essa transformação produz o que? Jubilação. E é fácil? Não. Por quê? Porque ela me tirou do meu lugar de tranqüilidade – 'estava tão bom refletir, eu me sentia tão inteligente' - aí vem essa daí e me manda uma afecção fortíssima, me contaminando de alegria e eu sou obrigado a ser o artista da minha própria vida para fazer da vida uma bela arte. Aí não dá imitação, você tem que investir, você tem que amar. O amor é isso. Nós só experimentamos por amor, dizia Deleuze, e só se goza por amor. Do contrário, vamos ficar o tempo todo choramingando e pedindo amor, às vezes beirando uma espécie de indignidade. A demanda de amor às vezes é tão grande que já não é uma história de psicanalista e nem de psicólogo é uma questão também de bem comum. Essa demanda de amor é muitas vezes também uma preguiça de chegar à alegria. Por quê? Cada um é cada um. Não tem uma resposta fechada. Por que é tão gostoso e magnífico ser alegre? Por que sabemos que a alegria tem uma força? Eu vi casos em que ela não cura o câncer, mas atenua a sua violência. 

O surf e a alegria da calma em Gilles Deleuze

A alegria da calma
A relação dos surfistas com o mar é de um estado de alegria permanente. Mesmo quando eles esperam a onda perfeita, esperam para esperar menos. Eles chegam em seus carros na praia, de repente a algazarra termina, e forma-se um silêncio entre eles (estão num estado de uma alegria permanente, mas não se diz nada, é a alegria da calma), então, olham o mar tal como o descobridor olhou a terra, saem correndo e lançam-se ao mar, num maravilhoso ritual de alegria permanente. É preciso observar os surfistas para além da caricatura e da estética do belo. Atrás de tudo isso tem uma grande filosofia interessantíssima. Filosofia que levou Gilles Deleuze no final de sua vida a se interessar muito pelos surfistas e a manter contato com eles, a tal ponto que levou ele a dizer: 'Essa alegria dos surfistas diz algo para a filosofia, eu acho que a filosofia está concernida pelo Surf'. E então Deleuze começa a trabalhar toda a teoria das dobras (Leibniz) e a relação da física quântica com o corpo dos surfistas e infelizmente este encontro foi muito curto porque foi no final de sua vida. Mas ele ficou numa situação de tanta alegria na sua doença ao encontrar os surfistas que chegou, seis meses antes de morrer, a aceitar um convite deles para participar de uma grande festa dos surfistas na Europa chamada A Noite do Escorrego o que levou Deleuze a dizer: "Contaminado por uma alegria que não posso dizer o nome. Cheira à vida. Me senti muito feliz com essa multidão de jovens mas ao mesmo tempo fui tocado por uma angústia de não poder ser tão feliz como eles".

Olhar que fita
Deleuze já estava doente, e aí quando ele sentiu essa experiência da força vibratória da Alegria-Surf, sentiu que realmente sua angústia anunciava talvez algo que não pudesse mais tocar. E aí Deleuze vai neste mesmo momento falar sobre o envelhecimento e a morte – que é uma de suas mais belas páginas. Ele começa falando da alegria, do encontro com os surfistas e da vida, e o que vai tocá-lo? Uma angústia. Então ele começa a falar da morte e da doença como uma grande saúde, tal como Nietzsche, dando à morte e à doença, o seu espaço de alegria. O filósofo que consegue falar da doença sem dar a ela um status de autocomiseração, que é o caso de Nietzsche, cuja situação limite, de completa destruição moral, física, enfermo, fez ele, neste momento, escrever suas páginas mais belas sobre a grande saúde e a alegria.


Bethoven e a Ode a Alegria de Shiller


Bethoven escreveu a Nona Sinfonia que é a Ode a Alegria. Ele vai esperar 32 anos porque disse que não estava bastante alegre para poder criar. A alegria não pintava e ele queria que ela fosse um evento de felicidade, mas como fazer a Nona sem estar tão feliz? Então, lembra-se da Ode a Alegria de Schiller e vai outra vez ler, quando sai gritando: 'Meu Deus, meu Deus! Aconteceu! Eu encontrei a alegria!' E assim compôs a sua Nona Sinfonia - que é considerada pela UNESCO como um bem social e um bem material da humanidade, além de ser um hino daqueles que não tem preguiça em ser feliz. A Nona é fraternidade, amor, alegria, compaixão ativa, (tudo isso são movimentos ativos, tem uma atividade enorme, não ponham passividade onde estou dizendo, é só vida, corpo gritando, é só vontade de realmente de transformar para poder ser transformado). Se tiverem tempo, tenham a curiosidade em ler a Ode a Alegria de Shiller. Tem em português.

São histórias muito fortes sobre a alegria que me leva a considerá-la revolucionária. Quer alegria mais fantástica do que a alegria orgástica com o amor? Como é bom, como é maravilhoso! Isso não dá para descrever. É bonito demais! É tão lindo que se perde naquele amplexo. Quem sou eu? Pergunta ridícula. Quem é ela? Pergunta mais ridícula ainda. O quem sou eu, para onde eu vou? Morreu! Acabou tudo aí. Porque estou numa situação de plenitude. Eu não tenho mais nome. Eu não estou mais com “ela” ou com “ele” não é porque eu os nego, é porque não há mais “ele” e “ela”. O que há aí é um bloco de afetos. E a este bloco de afetos eu não posso dizer nada. Eu tenho que me calar. Até a presença não é mais presença, não porque a nego, mas porque ninguém precisa mais existir. Isso que é legal nessa alegria orgástica, uma coisa tão bonita, onde eu acrescentaria, com amor. Não é como a  alegria orgástica funcional, onde você está mediado pelo relógio, ou a prostituição, por exemplo. É daquela outra alegria orgástica que selaria o seu encontro com a cosmologia, portanto, com o mundo todo, o homem, as plantas, a natureza, os elementos, aquele panteísmo de Spinoza que Deleuze tanto gostava.

Bispo do Rosário adaptado às passarelas
Márcia Tiburi – Quando te propus essa questão, a minha abordagem do problema surgiu justamente pela dificuldade da alegria. Eu imaginei que lendo Nietzsche, Spinoza e outros filósofos que a alegria se colocava como uma espécie de vida bem vivida, uma vida a mais além da sobrevivência que representava justamente essa força transmutadora, essa passagem a um lugar a mais dentro da própria existência, uma consciência de um corpo que não está sempre presente e que a tristeza, o ódio, a maldade, a infelicidade seriam o tom normal da vida e que a alegria era uma conquista muito difícil. Mas ao mesmo tempo, na nossa sociedade, o que nós somos capazes de perceber com pouca análise é que há também uma alegria domesticada, uma alegria-mercadoria, uma alegria que eu posso comprar fácil. Que ilusão essa, Daniel? Como que a gente faz para entender a diferença entre uma alegria mascarada e esta alegria revolucionária que você está buscando?

Dionísio e a alegria orgíaca
Daniel Lins – Eu diria o seguinte, você não pode perder o aspecto irracional da alegria. Este irracional é totalmente positivo. É o que vai fazer com que você possa compreender, gerir, coabitar com a crueldade da vida (e esta não pode ser compreendida como uma crueldade cristã). A alegria tem sua irracionalidade e esta não é falta de pensamento, absolutamente, não existe falta na alegria, nem existe excesso, na alegria nada falta, nem a falta. Se você tem essa força irracional para poder compreender a vida, que é cruel, e compreender a crueldade, eu teria de pensar a crueldade para criar um espaço, um lugar próprio a fim de tirá-la do sadomasoquismo, da representação de certas religiões e colocar a crueldade nos braços de Nietzsche. Esta crueldade da vida é também vida. É o que Nietzsche chama de Grausamkeit. Para Nietzsche é crueldade, vida, vontade de potência e ao mesmo tempo é crueldade cotidiana. Que papel teria a alegria nesta relação? Se a alegria for considerada como algo que vai me retirar do humano, eu estou fazendo da alegria uma espécie de álibi religioso - e daqui a pouco vamos abrir uma seita. E como a alegria é exigente, é uma conquista, pois não é dada de antemão, a alegria supõe um bem querer, e ele anuncia não a falta da crueldade que vai eliminar, porque a vida é cruel, o pensamento é cruel, não se pode dar a esta crueldade um aspecto mortífero da falta da vida, então, a alegria é também cruel. Por que se diz, “ele ficou tão alegre que parece um louco”, ou como diz lá no nordeste, “está doido de alegria”, “doido varrido”? É neste momento em que se diz isto que a crueldade não desaparece mas acontece que você está, como na música de Jacques Brel, fazendo careta para ela! O tempo todo nós temos que exorcizar o mau da vida a partir dos bons encontros. O 'mau' para Spinoza significa os maus encontros. Então o que ele propõe é isso, faça um bom encontro - não tem dinheiro no mundo que pague. Então quando isso acontece não sabemos o que fazer, entramos em regressão, é o devir criança, porque é um negócio tão forte que não dá para controlar, é uma loucura, é o corpo vibrátil que começa a correr. Isto é o bom encontro. Spinoza genial. O mau encontro é toda nossa cultura ocidental, todos nossos heróis crucificados. Terrível. É tão fácil ser infeliz, não é? Como que a felicidade encontra lugar nessa cultura do sofrimento? Como num mantra repetimos: tem que sofrer, tem que sofrer, tem que sofrer, então, vamos todo mundo usar cilício.

Cilício
Estou trabalhando com uma monja do Séc. XII maravilhosa, ela usava o cilício também. Fiquei tão triste. Cilício é uma espécie de arame farpado que se prende a perna e que cada vez que a alegria vem, quando se sente o desejo subindo (aquilo que Spinoza chama de Conatus, que é a vontade de potência) você aperta e quanto mais sangue mais “sofrimento”, e quanto mais sofrimento, mais virtude. Esta virtude da morte, ou esse canto da morte, é o contrário da alegria ativa, por isso eu disse: atenção que existem também alegrias passivas. É preciso não confundir alegria com histeria, aí seria outra discussão. Já pensou o Maracanã, Flamengo x Fluminense, que mundo maravilhoso presente ali, mas ao mesmo tempo, por que temos tanto medo? Eu já vivi essa experiência umas três vezes. Você está dominado por uma espécie de euforia mas você fica procurando a alegria porque a alegria precisa da calma, olha que legal.

Márcia Tiburi – Então, o furor histérico, o carnaval, ele não é alegre nesse sentido que você está falando?

"O Fla-Flu nasceu 40 min.
antes do nada"
Nelson Rodrigues
Daniel Lins – Ele não é alegre no sentido absoluto, mas ele pode ser alegre para uma série de pessoas. Tem pessoas que são tão fortes que são alegres no Maracanã, mesmo sabendo que a qualquer momento ali o fio pode se romper. É tênue a relação entre violência e euforia ou histeria. A verdade universal é uma tirania, ao contrário da alegria, a verdade universal é triste, então, mesmo de onde você menos espera num estádio de futebol com 100 mil pessoas (com os inimigos da alegria que são as torcidas organizadas) mesmo ali você vai ter as singularidades, uma espécie de razão nômade que vai fazer com que eu encontre ali o meu recado de alegria. Nós estamos falando de acontecimentos. Se generalizássemos (o que é muito difícil falar em nome dos outros) é difícil imaginar uma euforia histérica abrindo alas para a alegria passar. A alegria é cuidado, como diz Deleuze, 'cuidado, vá devagar, seja prudente para não espantar os devires'. Se você espantar os devires, você vai ter a histeria porque é fácil entrar numa relação assim. Aí você vai começar a entrar numa relação de máquina de guerra molar, negativa e vai começar a produzir afetos negativos e aí o cilício, este instrumento de tortura místico, encontra o seu lugar. 

Cilício
Mortificação Corporal
Márcia Tiburi - Dá para tirar o cilício só porque a pessoa quer? A minha dúvida continua sendo essa. Quando vemos Lacan falando do bem dizer e não do mal dizer, que a solução parcial para a vida (porque a vida só pode ter solução parcial), diante da melancolia e da tristeza, acaba sendo sempre uma afirmação no sim à vida bem, no sentido em que Nietzsche afirmava com muita veemência. Você está dizendo que a alegria é uma força inventiva do sujeito, mas eu coloco em mim o cilício porque eu quero? De onde eu posso retirá-lo? Posso eu simplesmente propor a minha própria ética? Você fala de uma ética e de uma estética dos afetos, ou seja, de uma relação entre essa minha vontade mais racional, mais da minha consciência que diz respeito à ética e também de uma sensibilidade que corre junto, mas que é elaborada para poder ter esse tipo de sentimento. Eu lembro do Walter Benjamim falando que precisamos organizar o pessimismo e eu vivo falando que precisamos organizar a revolução e para tanto é preciso organizar a alegria mas eu mesma nunca me sinto autorizada, por isso que eu peço para você escrever um texto porque eu sei que você conhece. Então, de onde eu saio da minha minoridade ética e alcanço esse lugar, como eu posso levantar essa bandeira, carregar essa proposição?


"Um só ou vários lobos, Sigmund?"
Deleuze e o caso clínico 'homem dos lobos'
Daniel Lins – A alegria é sem dúvida aquilo que vai, através do desejo, definir o sujeito. Ao definir o sujeito, a alegria já nos coloca numa situação também de dificuldade. Nós aprendemos que nós éramos “o sujeito”. A alegria não trabalha com esta noção. O sujeito na alegria são blocos de afetividades, são sempre coletividades, são sempre matilha como os cães. E a alegria não trabalha com essa singularidade focalizada, o sujeito é sempre um sujeito-matilha, um sujeito-multidão, porque não desvaloriza o sujeito e o coloca numa relação não-assujeitada, seria então, uma solidão do sujeito da dívida, sujeito do ressentimento, solidão terrível. A ideia do sujeito-matilha lembra os cães. Mexa com um, não tem problema nenhum, agora vá mexer com muitos, eles te comem vivo. Este é o sujeito-matilha, o sujeito da alegria, este não é o sujeito-prótese. E como ficaria o indivíduo? Estou muito mais preocupado no conceito da alegria e trabalhar a individuação que é a invenção constante do sujeito. E aí você entra no devir. Devir-homem, devir-animal, devir-mulher, devir homem da mulher (sem imitar o homem) e uma série de outros devires que é o sujeito que está por vir, este sujeito que não é ainda, então, você não tem mais a reflexão sobre a morte.
Clément Rosset
A nossa força da alegria, que é o título do livro de Clément Rosset, La Force Majeure, que em português foi traduzido por A alegria força maior, diz que a alegria não precisa da razão, ela se passa muito bem sem a razão - e o que sobra? Sobra tudo, diz Clément. Sobra a arte. E o que é a arte? - Pergunta ele. A invenção constante da vida. E como se inventa a vida? Sendo simples. E como se é simples? Saindo da reflexão. E como se sai da reflexão? Pensando. Verdadeira máquina déspota maravilhosa que faz do despotismo uma força positiva. Quando o Clement fala, dá a impressão de ser uma máquina déspota e logo vemos que é uma máquina de guerra totalmente conectada com os desejos, com tudo que é desejante e ao mesmo tempo com uma relação de ética e estética dos afetos que te dá uma responsabilidade imensa diante deste sujeito-matilha, mas que ao mesmo tempo continua sendo sujeito.
Pergunta – Quando você estava falando eu não consegui não pensar num comentário de um paciente que eu tive recente. Ele disse para mim assim: 'sabe que eu percebi, me toquei que estou ficando melhor, sabe por que? Porque eu voltei a rir e eu percebi que eu não ria mais há muito tempo'. Então eu fico com uma pergunta. Como harmonizar essa questão da felicidade revolucionária com o poder e a culpa, a necessidade de poder que nós observamos muito hoje em dia?

Mussolini e Hitler
Daniel Lins Quem melhor respondeu a isso foi Spinoza, quando ele vai mostrar claramente que o poder é triste. Ele não só é triste mas ele produz fluxos e afecções de tristeza. Então se você junta ao poder a questão da culpa, nós entramos num beco sem saída, porque a culpa ainda é um gozo. Na relação da culpa existe não só o ressentimento, mas existe também, para além da demanda de amor, um gozo. O culpado goza, mesmo que seja o não-gozo, mas ele goza, como aquele que tortura também goza. A violência dos déspotas e dos tirânicos é também alimentada por um gozo do submetido e eu penso na ideia de que muitos alemães e muitos italianos gozaram com Mussolini e com Hitler. Não esqueçam que as senhoras respeitosas, a família italiana, muitas delas mulheres importantes da sociedade, usaram a aliança de Mussolini. Da mesma maneira que as religiosas são as esposas de Jesus, elas eram as esposas de Mussolini. Então, culpa, poder, desejo, gozo, às vezes se misturam. Então, o que faz a alegria aí? É aquela ideia (deleuziana), prudência para não afugentar os devires. Porque alegria não é um paradigma a mais. A alegria é um paradigma do paradigma do qual todos emanam. Tudo emana da alegria, inclusive o desejo de viver.

Márcia Tiburi – Quando Nietzsche fala em alegria, na Gaia Ciência, ele fala também em cura. Você acha que o conceito de cura é um conceito válido hoje em dia?

Jacques Derrida
Daniel Lins - Eu acho que este conceito já foi revisitado, desconstruído e talvez tivéssemos que pensar a cura fora do estigma da própria desconstrução. Uma vez conversando com Jacques Derrida a este respeito, ele me disse 'é engraçado, ninguém me leu, dizem que eu não sou filósofo, que eu só faço literatura e ao mesmo tempo tudo que escrevi sobre cura colocaram exatamente aquilo que convinha na Desconstrução' que seria traduzida posteriormente de diversas formas. Derrida é um filósofo francês que trabalhou sobre o conceito de desconstruir, onde não se trata de destruir e sim de desconstruir que é dar ao pensamento que já tem imagem uma possibilidade de um pensamento outro. Então este filósofo escreveu sobre essa ideia de cura e dizia para mim, 'pegaram o conceito desconstrução e fizeram disso um capital mundial'. Todo mundo fala em desconstrução, mas praticamente ninguém leu Derrida. Parece o Pierre Bourdieu com a violência simbólica. Jornalista do mundo todo fala deste conceito de Bourdier. Então, nessa questão da cura precisamos urgentemente nos sentar, clínicos, filósofos e outros, para começarmos este assunto. Não dá mais para ficar na caricatura do Sec. XIX e XX. Não dá mais para colocar na cura uma relação ligada a patologia ou anômalo, não dá. Nós vamos ter de repensar a cura fora do poder psicanalítico que muitas vezes é triste. É como se interpretar fosse matar. Mesmo se tudo isso tenha se transformado demais, a partir do tempo lógico do Lacan, que é uma sessão mais curta. E a partir de O Anti-Édipo de Gilles Deleuze, a psicanálise do ocidente jamais pôde ser o que ela era, em relação à interpretação e em relação à cura mas eu acho que se pensamos todo um lado da desconstrução da cura, é preciso agora sentarmos e pensar que elementos novos podíamos dar a ela visto que o mundo está cada vez mais doente e triste? Será que dentro da cura psicanalítica nós temos algo para propor? Talvez tenhamos que rever os próprios conceitos psicanalíticos em relação à falta.

Os parangolés de Bispo do Rosário
Márcia Tiburi – Eu lembrei do Arthur Bispo do Rosário que foi interno por mais de quarenta anos e que foi diagnosticado como esquizofrênico, segundo a psiquiatria, contra a qual o ator se levantou com tanta clareza (a psiquiatria que inventou a doença e inventou a loucura) e que produziu durante o seu período de internamento (a sua vida inteira praticamente) uma obra inacreditável de um artista contemporâneo, de uma expressividade que não tem explicação.

Spider - Louise Bourgeois
Da mesma forma, lembro-me também de um outro exemplo gigantesco que é a da  Louise Bourgeois para quem leu A destruição do pai e reconstrução do pai, uma artista plástica que morreu em 31/05/2010, aos 98 anos, morava em Nova York, uma francesa inacreditável que também tem toda essa ideia que a arte pode ser o caminho. É o caminho de uma vida que se constrói junto com a construção de objetos, com a invenção. Uma vida que é invenção de si mesma e invenção da própria vida que ultrapassa o campo apenas do corpo do sujeito, dessa vida que é tão inexorável e tão única mas às vezes é tão pequena também. Quando você fala do encontro não é apenas o meu corpo mas a vivência, a experiência da corporeidade, não digo apenas no sentido sexual, é claro que é preciso declarar, mas essa coisa de como nos abraçamos, como é que nos encontramos, como coabitamos, convivemos, nos relacionamos, enfim, no sentido de uma vida política, de uma vida que se reencontra com a sua potência política, então, por isso acho que o conceito de cura realmente ainda pode ser revisto e fico muito alegre de perceber que você também acha que é um conceito que precisa ser revitalizado, criticado, desconstruído, repensado porque há algo aí que não foi ainda totalmente esgotado. Nós somos tão contentes com a doença. E o que é a doença? É o sofrimento enquanto gozo. Eu gozo enquanto sofro.

Daniel Lins
Daniel Lins – A questão da cura e da dificuldade que ficou quase como um assunto tabu é porque você tem um exemplo como Arthur Bispo do Rosário, você tem também o próprio exemplo do Antonin Artaud. Quem vai diagnosticar Artaud? É bom porque está no meu livro e não tem nada de novo. Eu disse na época. Quando o livro saiu provocou um susto muito grande no Brasil que era como se as pessoas não tivessem lido o meu livro sobre Artaud, leram apenas a nota. Só para mostrar a gravidade. Eu ousei dizer no Brasil que Jacques Lacan, então psiquiatra com 26 anos, chefe de Saint-Anne, um grande hospital, já nasceu gênio, fez o diagnóstico de Artaud e o que ele diz: 'Artaud é esquizofrênico, vai viver até 80 anos e jamais vai escrever uma linha'. De quem falava Jacques Lacan? Do próprio Jacques Lacan, que é uma vocação tardia na escrita e que vai escrever o seu primeiro livro com pouco mais de 60 anos. Este assunto praticamente afogou o meu livro porque o que eu recebi de cartas de psicanalistas no Brasil, norte, sul, leste e oeste criticando-o. Que absurdo! Gente, isso é existência, isso não é Jornalismo! Está lá, eu fiz minhas pesquisas. Eu não sou o único. Então, para te dizer que este assunto da cura foi tão amaldiçoado pela prática psicanalítica e psiquiátrica é que vamos ter de suar muito para tirar todo esse julgamento, essa impotência orgástica da questão da cura.

Pergunta – Como o senhor entende a relação homem-máquina através do uso das novas tecnologias do ensino-aprendizagem. E onde ficaria a ética, a estética e a alegria do sujeito-matilha.

Daniel Lins – O homem-máquina é uma discussão importantíssima nos anos 80. Eu acho que saltamos essa etapa. Nosso problema hoje não é tanto o homem e a máquina porque nós vivemos uma situação econômica muito grave onde o homem na história do ocidente vive uma experiência única. Nunca na nossa experiência enquanto sujeitos do ocidente vivemos uma experiência onde não se precisa mais de nós. Não somos mais úteis para o trabalho. Eu me encontrei numa situação num metrô em São Francisco, meio apavorado porque estava evidente que eu ia ser assaltado e, quando eu olho ao meu redor, não tinha mais ninguém, mas tinha todas as máquinas. Tinha 14 máquinas em que eu podia pedir help. E eu ficaria numa grande alegria se tivesse encontrado uma máquina que falasse em português mesmo eu falando diversas línguas (o problema não era esse), na hora desse medo tão grande, na falta do homem, se tivesse uma máquina em português ali (eu tive que falar uma língua que não era a minha) eu teria sentido uma alegria, entendeu? Porque é como se a minha mãe tivesse me protegendo (língua materna). Tinha todas aquelas máquinas, não tinha problema nenhum ali, eu podia falar algumas daquelas línguas e eu fui à procura de que? Eu só estou querendo mostrar que nessas discussões das máquinas nós avançamos. A máquina pode ser também um lugar também de jubilação para o homem. Acho que o mais grave hoje, é a questão do Biopoder - que é o controle da vida. Esta é a discussão do Sec. XXI porque você fica numa relação do homo otarius onde temos de ser todos idiotas e o pensamento fica apenas para os laboratórios. Quem quer ser homo otarius? Se perguntar, ninguém quer. Então, nós chegamos a uma situação em que não somos mais agentes, para usar a expressão de Bourdier corrigindo toda a sociologia dos anos 80, nós falávamos de atores sociais, como adorávamos falar disso e Bourdier dizia: - Parem! Atores sociais ainda é representação. E se pensássemos nos agentes? Aquele em que age e não é agido? E aí então aparece o Biopoder, mas aí é outra discussão. Eu acho que a questão das máquinas está menos dramática do que era.

Obrigado ao público, vocês me mandaram essa alegria para construir com vocês. Eu quem agradeço a vocês.

Com vocês, a íntegra da apresentação em vídeo. Imperdível o humor vibrátil de Daniel não totalmente apreendido pela linguagem escrita:


sexta-feira, 13 de maio de 2011

DEVIR MESSALINA.. BANDIDO.. ANIMAL.. CRIANÇA..

Quando a aranha jorra sua teia
Quando o peixe morde a isca
Quando o camaleão beija sua vítima
Desafiador abordar um tema de tal complexidade e tecer letras e afectos como um artesão de redes, unindo vários pontos para formar uma tarrafa, ou uma aranha a jorrar suas teias tal como um camaleão que lança sua língua a beijar sua refeição. Há um sabor nisso tudo. Um prazer da presa sentindo os caninos trespassando-lhe. Um prazer em acoçar e deixar a vítima sem saídas, tal como o instante mais intenso e belo do peixe ao morder a isca. Não há derrotados neste jogo, apenas jogadores. Porque isso é o que importa. O jogo. 

Vamos jogar o jogo. O que importa é se lançar a ele com e sem medo, com e sem confiança. O segredo está sempre na entrega, seja em quem desiste de prosseguir ou em quem visceralmente se lança como se fosse seu último dia. Sim, uma escrita assim imantará o leitor como ferro ao imã, hipnotizará como o olhar lascivo à beleza fêmea que exala feromônio a seus raros eleitos. Caminhemos (pelo cheiro).

Uma nova potência sexual

A nova ordem mundial
Falar de devir puta e devir bandido é falar de jogador de futebol, mas é falar também da segunda revolução sexual feminina. Interessante e difícil seguir estes rastros porque são duas escolhas marginais e de intensos preconceitos sociais por quem acredita caminhar em linha reta e nunca sair do trilho. Há uma certa habilidade feminina e animal neste balé em driblar o adversário, seja ele em campo, ou a polícia em alguma fuga espetacular, ou ainda na entrega às roupas justas e forte maquiagens numa submissão total à beleza plástica e hipnotizante.

Sabemos que as roupas justas e insinuantes saíram dos guetos bem delimitados e chegaram às ruas, aos shoppings, invadiram os ambientes sociais sempre tão conservadores quanto hipócritas. Tal invasão foi tomando pouco a pouco às ruas, e tudo aquilo que se fez interdito foi ganhando um novo status social, uma nova ordem sexual feminina foi surgindo para quebrar velhos modelos e instalar novos devires sócio-culturais e fazer as mulheres descobrirem uma nova potência sexual nelas mesmas. Desmistificaram assim o rótulo sujo associado desde sua origem e se permitiram experenciar este devir mulher-solta-na-cama e brincam cada vez mais de se insinuar nas ruas, o que não afeta em nada seus valores, sua reputação e sua condição consideravelmente diferente daquelas que optaram ganhar a vida usando o corpo como moeda de troca.
Brincando com o Sex Appeal
Limiar cada vez mais tênue em nossos dias mostra que o prazer antes escondido e vivido a plenos pulmões apenas nas fantasias femininas, hoje é notório o poder feminino de causar nos homens espanto, admiração lasciva e temor, sim, o número de adultério feminino cresceu significativamente nos últimos 30 ou 40 anos, segundo fontes empíricas. E a mulher se fez mais bela assim, traindo mais, abalando o frágil equilíbrio do pátrio poder - para a felicidade dos homens adaptados a este novo mercado em total expansão. E assim, livres mas, contraditoriamente presas na espera de serem desejadas por todos, sejam eles casados, solteiros, pedreiros ou executivos, mas amadas por apenas um homem para chamar de seu, então esta nova mulher retira os significantes deste modelo secular do meretrício e a utiliza à sua maneira, sem precisar tampouco estar em suas fileiras. Isso é o que chamamos de devir meretriz, algo como uma apropriação dos significantes de desejo presentes na estrutura já estabelecida, para, a partir deste roubo, fazer à sua maneira um novo modelo de comportamento sexual e causando uma onda de mudanças comportamentais no universo feminino, colocando em xeque o papel secundário secularmente estabelecido na regência da autoridade masculina. O futuro é o devir mulher. Não o que as feministas apregoam de igualdades sexuais e blá blá blá mas o que há de sensível, inventivo e ágil do universo feminino ofertado ao socius e ao homem médio - espantado e inseguro ante às novas configurações.

Dos jogadores
Artesão de afectos
É intrigante ver a rede com seus gomos trançados e que, ao passo que a esticamos, ela vira uma linha quase homogênea, indiferenciada, onde não sabemos quem é o jogador (da tarrafa) e quem é a piranha (do rio), embora saibamos que redes não são suficientes para pescá-las. Dentes afiados são capazes de rasgar o bolso de qualquer pescador "bom de bola". Continuemos então a tecer afectos em letras como se fossem redes nas mãos de pescadores. A pesca, claro, só podem ser vocês que leem e, este ensaio, por sua vez, o boi de piranha pronto para ser devorado.

Caminhando, descobrimos que o devir puta, devir bandido e devir animal em algum momento se fundem no modus operandis do jogador de futebol, dentro e fora das quatro linhas. Incrível como os três significantes montam, remontam e desmontam o quebra-cabeça cheio de nuances interessantes que presentifica sua trajetória. Universo incrivelmente rico de pobreza e terrivelmente pobre de riqueza em mãos pouco doutas, uma espiral dialética de funcionamento lógico e previsível onde nos esforçaremos aqui para dissecar arquétipos importantes deste universo.

Rasgando o verbo e brincando com o significante devir messalina, podemos dizer que todo jogador é piranha velha. Não daquelas que andam nos rios cheios de dentes afiados farejando rastros de sangue, mas aquelas boas e velhas malandras que remontam o mito da vagina dentada e que ajudam a perpetuar o sexo medíocre em casa, em seu ato de mais puro cinismo do casal fatigado um do outro, naquela dança a dois absolutamente solitária do amor (já morto) mas felizmente ressuscitado pela presença redentora do terceiro elemento.

Estética de uma paixão
Aeroporto Galeão - RJ
Aguardando a chegada da delegação do Fluminense
Assim é o jogador em campo, esse terceiro elemento sem o qual não teria a mínima graça o espetáculo das massas se não fosse a histericização apaixonada das torcidas capaz de até mesmo entregarem a própria esposa (com laço de fita) ao artista do espetáculo - em agradecimento e recompensa pelo título diante do maior rival.
 
Mas tem outros elementos que os fazem encarnar esse devir. O tradicional migué, é o exemplo-chave para falar deste devir mundano, burlador da tarefa correta: simular contusão para deixar de treinar é artimanha das mais conhecidas e de difícil diagnóstico devido os exames não conseguirem precisar a dor. Como ela é quase sempre subjetiva, o artista alega estar sentindo o músculo adutor da coxa esquerda, a panturrilha direita, a joanete e, desta forma, acaba colocando no bolso todo o departamento médico e comissão técnica, transformando-os em reféns desse grande teatro da representação, escapando, assim, da dura rotina dos treinamentos físicos extenuantes e de quebra ajuda-o a curá-lo da balada recém aproveitada quase sempre movida a muito álcool, drogas, orgias e pagode de gosto duvidoso.

Eu sou a oportunidade
Joana Machado e Adriano
É neste cenário que vemos surgir no mercado uma nova profissão (mais velha que minha vovó), as chamadas marias-chuteiras. Que significante mais poderoso é o que elas encarnam neste conto de fadas tipo Cinderela? 

É uma profissão levada a sério. No início importava segurar o touro pelo chifre e providenciar rapidamente um filho para garantir seu futuro, mas hoje importa é a polêmica, quanto mais inusitado o comportamento ao lado dos fanfarrões abonados, mas elas fazem a festa dos paparazzos de plantão e mais fama vão adquirindo para seus voluptuosos curriculuns, fabricando cachês em catálogos de moda e estrelando capas de revistas masculinas – para o deleite de todos, do produto exposto, ao consumidor que se satisfaz em tê-la apenas no papel.

Robinho e o sublime instante do drible
A sublimação perfeita do "levar vantagem"
No país do futebol e da cultura do "jeitinho", onde levar vantagem é como driblar o adversário no campo, o reconhecimento dos direitos legais desta profissão sai do campo da piada e passa a ser algo de tremenda relevância nesta cultura, para a felicidade das massas e imensa tristeza dos poucos, reduzidos a nada frente ao rolo compressor da onda que nos batiza (que legitima isso como algo natural), quando deveria afogar a todos com uma bem vinda tsunami de água benta por todos os lados.

Falta a essas figuras abjetas experenciar o corpo como potências de descobertas outras ao invés de fazer saltar mecanicamente uma beleza que nunca sai de dentro para fora, porque falta-lhes a capacidade de entender que sexo é mente, quase sempre total mente, e que, embora também seja físico, preparo físico, o bom sexo é uma companhia instigante, onde devires verdadeiramente i-mundos invadem os corpos tornando os experimentadores em doces bárbaros.

Bruno e Elisa Samúdio
O vão das redes, o vão das grades
Devir bandido
Como os jogadores mostram-se totalmente inábeis  para compreender e viver o devir bárbaro, cabem a eles sentirem-se os reis ao flertar decididamente com o obscuro e suspeito devir bandido. Então, atletas famosos, ricos e de grandes clubes tem cada vez mais figurados nas páginas policiais, o que confirma a tese da proximidade entre universos aparentemente distintos e de atuação em áreas diferentemente circunscritas, mas que o limiar que separa o traficante do jogador é apenas uma fina linha tênue em que muitas vezes se misturam e se confundem entre si.

Não é à toa que traficantes tem como ídolos jogadores de futebol, em geral seus amigos, e jogadores adoram freqüentar suas festas reservadas aos donos dos morros cariocas. Festas regadas a muito álcool, pó e novinhas que disputam a atenção destes convidados de honra na expectativa de viver uma tórrida noite – ainda que elas saibam que serão meros objetos de diversão e nunca fantasiarão em ser marias-chuteiras como as modelos que disputam os atletas.

Fechamento
CV - Comando Vermelho (e Preto)
O devir bandido também está presente na ostentação do poder representado pela exibição de fuzis em fotos para lá de comprometedoras a reputação da classe. Sair em foto empunhando um fuzil não quer dizer em absoluto que o jogador seja um bandido capaz de cometer as mesmas atrocidades que os traficantes fazem. Não é esta a onda, embora o goleiro Bruno esteja preso por contradizer esta fala.

Na verdade eles estão ali fazendo pose para pegar emprestado o poder que seus amigos traficantes conquistaram e, ao cantar os funks dessa turma, flertam prazerosamente com a idéia fascinante do homicídio (poder máximo sobre a vida de alguém), mas sem tampouco ir além, então, na maioria das vezes, sublimam esta vontade fascinante no campo de jogo (de matar o outro) e quando marcam gols apontam para a imprensa com seus dedos em formato de pistolas simbolizando a conhecida personificação no mundo do futebol chamada de o matador, ou seja, aquele que marca gols e mata seu adversário, submetendo-o à sua força. Alegoria esta muito interessante no que diz respeito a tese do devir bandido elaborada aqui neste ensaio e que parece cair como uma luva aos jogadores do esporte bretão.

Devir Criança
Devir animal
Encerrando o debate sobre devires múltiplos presentes nos atletas, temos agora como tema o devir animal e o devir criança. A agilidade presente nos atletas de todas as modalidades esportivas remetendo a semelhança dos animais em seus habitats naturais. O Pulo do macaco de um galho ao outro, o olhar furtivo de um predador a se aproximar lentamente de sua presa, a exuberâncias dos músculos em total coordenação motora para a execução daquilo que seu plano genético o capacitou, mas que, assim como os homens, pode ou não ser bem sucedido.

De fato, o futuro também são os animais, não os animais em si apenas, mas o que há de furor e explosão estética e singular dos animais nos homens, a agilidade e habilidade para sobreviver às adversidades, a rapidez no raciocínio e a quebra de recordes sem precisar fazer parte do teatro do mercado vencedor, com suas indústrias de anabolizantes a fabricar falsas potências no homem apressado e desejoso da medalha dourada no peito. Vaidade burra que só alimenta as grandes indústrias e seu ego por tempo limitado, logo será esquecido e virá outro para figurar em seu lugar na mídia. Não há diferença no jogador que exibe um fuzil nas fotos e um atleta de alto rendimento que exibe sua boa forma à custa dos esteróides, ambos querem apenas ser Deus por algum instante – fantasia para tamponar provável baixa auto-estima ou sentimento de menos-valia em suas vidas antes da fama e da grana.

Pequeno tricolor derramando poesia
Apenas o devir criança poderá desviar a rota de colisão desta pulsão de morte desenfreada dos nossos amigos fascinados com o poder. É a inocência da criança neles mesmos que poderão fazê-los criar e inventar as saídas em seus campos de batalhas diante das adversidades, aquele gesto mais improvável em que ninguém mais poderia acreditar ser possível, uma união inabalável mesmo nas diferenças em que até os deuses do futebol conspiram a favor para que tudo se realize contra todas as previsões matemáticas.

São estes instantes mágicos todos eles movidos pelo devir criança presente na cena do crime, no campo de batalha, onde cada suor derramado no campo de futebol é como o sangue espirrado nos fronts entre inimigos em campos de guerra. E cada vibração da arquibancada é como se cada jogador representasse essa potência monstruosa presente nas massas ensandecidas na sublimação da vitória sobre seu oponente, da conquista de um território (título) sobre o oponente. E quanto mais títulos conquistados, mais poder e riqueza. Mas somente o devir Garrincha é capaz de dar um outro formato a essa luta de classes, aquela pela qual o drible é mais importante que o gol, o improviso encontra os atalhos que o roteiro treinado tinha perdido, onde a potência do singular desfaz as regras e o estabelecido pela razão e instaura o germe da força do acaso, desobedecendo conceitos, representações e acabamentos em nome de uma nova estética: da potência inventiva do homem, aquela em que ele se faz animal, bandido, puta e criança num instante mágico em que o tempo para - para celebrá-lo como vencedor. 
IFarias