sexta-feira, 13 de maio de 2011

DEVIR MESSALINA.. BANDIDO.. ANIMAL.. CRIANÇA..

Quando a aranha jorra sua teia
Quando o peixe morde a isca
Quando o camaleão beija sua vítima
Desafiador abordar um tema de tal complexidade e tecer letras e afectos como um artesão de redes, unindo vários pontos para formar uma tarrafa, ou uma aranha a jorrar suas teias tal como um camaleão que lança sua língua a beijar sua refeição. Há um sabor nisso tudo. Um prazer da presa sentindo os caninos trespassando-lhe. Um prazer em acoçar e deixar a vítima sem saídas, tal como o instante mais intenso e belo do peixe ao morder a isca. Não há derrotados neste jogo, apenas jogadores. Porque isso é o que importa. O jogo. 

Vamos jogar o jogo. O que importa é se lançar a ele com e sem medo, com e sem confiança. O segredo está sempre na entrega, seja em quem desiste de prosseguir ou em quem visceralmente se lança como se fosse seu último dia. Sim, uma escrita assim imantará o leitor como ferro ao imã, hipnotizará como o olhar lascivo à beleza fêmea que exala feromônio a seus raros eleitos. Caminhemos (pelo cheiro).

Uma nova potência sexual

A nova ordem mundial
Falar de devir puta e devir bandido é falar de jogador de futebol, mas é falar também da segunda revolução sexual feminina. Interessante e difícil seguir estes rastros porque são duas escolhas marginais e de intensos preconceitos sociais por quem acredita caminhar em linha reta e nunca sair do trilho. Há uma certa habilidade feminina e animal neste balé em driblar o adversário, seja ele em campo, ou a polícia em alguma fuga espetacular, ou ainda na entrega às roupas justas e forte maquiagens numa submissão total à beleza plástica e hipnotizante.

Sabemos que as roupas justas e insinuantes saíram dos guetos bem delimitados e chegaram às ruas, aos shoppings, invadiram os ambientes sociais sempre tão conservadores quanto hipócritas. Tal invasão foi tomando pouco a pouco às ruas, e tudo aquilo que se fez interdito foi ganhando um novo status social, uma nova ordem sexual feminina foi surgindo para quebrar velhos modelos e instalar novos devires sócio-culturais e fazer as mulheres descobrirem uma nova potência sexual nelas mesmas. Desmistificaram assim o rótulo sujo associado desde sua origem e se permitiram experenciar este devir mulher-solta-na-cama e brincam cada vez mais de se insinuar nas ruas, o que não afeta em nada seus valores, sua reputação e sua condição consideravelmente diferente daquelas que optaram ganhar a vida usando o corpo como moeda de troca.
Brincando com o Sex Appeal
Limiar cada vez mais tênue em nossos dias mostra que o prazer antes escondido e vivido a plenos pulmões apenas nas fantasias femininas, hoje é notório o poder feminino de causar nos homens espanto, admiração lasciva e temor, sim, o número de adultério feminino cresceu significativamente nos últimos 30 ou 40 anos, segundo fontes empíricas. E a mulher se fez mais bela assim, traindo mais, abalando o frágil equilíbrio do pátrio poder - para a felicidade dos homens adaptados a este novo mercado em total expansão. E assim, livres mas, contraditoriamente presas na espera de serem desejadas por todos, sejam eles casados, solteiros, pedreiros ou executivos, mas amadas por apenas um homem para chamar de seu, então esta nova mulher retira os significantes deste modelo secular do meretrício e a utiliza à sua maneira, sem precisar tampouco estar em suas fileiras. Isso é o que chamamos de devir meretriz, algo como uma apropriação dos significantes de desejo presentes na estrutura já estabelecida, para, a partir deste roubo, fazer à sua maneira um novo modelo de comportamento sexual e causando uma onda de mudanças comportamentais no universo feminino, colocando em xeque o papel secundário secularmente estabelecido na regência da autoridade masculina. O futuro é o devir mulher. Não o que as feministas apregoam de igualdades sexuais e blá blá blá mas o que há de sensível, inventivo e ágil do universo feminino ofertado ao socius e ao homem médio - espantado e inseguro ante às novas configurações.

Dos jogadores
Artesão de afectos
É intrigante ver a rede com seus gomos trançados e que, ao passo que a esticamos, ela vira uma linha quase homogênea, indiferenciada, onde não sabemos quem é o jogador (da tarrafa) e quem é a piranha (do rio), embora saibamos que redes não são suficientes para pescá-las. Dentes afiados são capazes de rasgar o bolso de qualquer pescador "bom de bola". Continuemos então a tecer afectos em letras como se fossem redes nas mãos de pescadores. A pesca, claro, só podem ser vocês que leem e, este ensaio, por sua vez, o boi de piranha pronto para ser devorado.

Caminhando, descobrimos que o devir puta, devir bandido e devir animal em algum momento se fundem no modus operandis do jogador de futebol, dentro e fora das quatro linhas. Incrível como os três significantes montam, remontam e desmontam o quebra-cabeça cheio de nuances interessantes que presentifica sua trajetória. Universo incrivelmente rico de pobreza e terrivelmente pobre de riqueza em mãos pouco doutas, uma espiral dialética de funcionamento lógico e previsível onde nos esforçaremos aqui para dissecar arquétipos importantes deste universo.

Rasgando o verbo e brincando com o significante devir messalina, podemos dizer que todo jogador é piranha velha. Não daquelas que andam nos rios cheios de dentes afiados farejando rastros de sangue, mas aquelas boas e velhas malandras que remontam o mito da vagina dentada e que ajudam a perpetuar o sexo medíocre em casa, em seu ato de mais puro cinismo do casal fatigado um do outro, naquela dança a dois absolutamente solitária do amor (já morto) mas felizmente ressuscitado pela presença redentora do terceiro elemento.

Estética de uma paixão
Aeroporto Galeão - RJ
Aguardando a chegada da delegação do Fluminense
Assim é o jogador em campo, esse terceiro elemento sem o qual não teria a mínima graça o espetáculo das massas se não fosse a histericização apaixonada das torcidas capaz de até mesmo entregarem a própria esposa (com laço de fita) ao artista do espetáculo - em agradecimento e recompensa pelo título diante do maior rival.
 
Mas tem outros elementos que os fazem encarnar esse devir. O tradicional migué, é o exemplo-chave para falar deste devir mundano, burlador da tarefa correta: simular contusão para deixar de treinar é artimanha das mais conhecidas e de difícil diagnóstico devido os exames não conseguirem precisar a dor. Como ela é quase sempre subjetiva, o artista alega estar sentindo o músculo adutor da coxa esquerda, a panturrilha direita, a joanete e, desta forma, acaba colocando no bolso todo o departamento médico e comissão técnica, transformando-os em reféns desse grande teatro da representação, escapando, assim, da dura rotina dos treinamentos físicos extenuantes e de quebra ajuda-o a curá-lo da balada recém aproveitada quase sempre movida a muito álcool, drogas, orgias e pagode de gosto duvidoso.

Eu sou a oportunidade
Joana Machado e Adriano
É neste cenário que vemos surgir no mercado uma nova profissão (mais velha que minha vovó), as chamadas marias-chuteiras. Que significante mais poderoso é o que elas encarnam neste conto de fadas tipo Cinderela? 

É uma profissão levada a sério. No início importava segurar o touro pelo chifre e providenciar rapidamente um filho para garantir seu futuro, mas hoje importa é a polêmica, quanto mais inusitado o comportamento ao lado dos fanfarrões abonados, mas elas fazem a festa dos paparazzos de plantão e mais fama vão adquirindo para seus voluptuosos curriculuns, fabricando cachês em catálogos de moda e estrelando capas de revistas masculinas – para o deleite de todos, do produto exposto, ao consumidor que se satisfaz em tê-la apenas no papel.

Robinho e o sublime instante do drible
A sublimação perfeita do "levar vantagem"
No país do futebol e da cultura do "jeitinho", onde levar vantagem é como driblar o adversário no campo, o reconhecimento dos direitos legais desta profissão sai do campo da piada e passa a ser algo de tremenda relevância nesta cultura, para a felicidade das massas e imensa tristeza dos poucos, reduzidos a nada frente ao rolo compressor da onda que nos batiza (que legitima isso como algo natural), quando deveria afogar a todos com uma bem vinda tsunami de água benta por todos os lados.

Falta a essas figuras abjetas experenciar o corpo como potências de descobertas outras ao invés de fazer saltar mecanicamente uma beleza que nunca sai de dentro para fora, porque falta-lhes a capacidade de entender que sexo é mente, quase sempre total mente, e que, embora também seja físico, preparo físico, o bom sexo é uma companhia instigante, onde devires verdadeiramente i-mundos invadem os corpos tornando os experimentadores em doces bárbaros.

Bruno e Elisa Samúdio
O vão das redes, o vão das grades
Devir bandido
Como os jogadores mostram-se totalmente inábeis  para compreender e viver o devir bárbaro, cabem a eles sentirem-se os reis ao flertar decididamente com o obscuro e suspeito devir bandido. Então, atletas famosos, ricos e de grandes clubes tem cada vez mais figurados nas páginas policiais, o que confirma a tese da proximidade entre universos aparentemente distintos e de atuação em áreas diferentemente circunscritas, mas que o limiar que separa o traficante do jogador é apenas uma fina linha tênue em que muitas vezes se misturam e se confundem entre si.

Não é à toa que traficantes tem como ídolos jogadores de futebol, em geral seus amigos, e jogadores adoram freqüentar suas festas reservadas aos donos dos morros cariocas. Festas regadas a muito álcool, pó e novinhas que disputam a atenção destes convidados de honra na expectativa de viver uma tórrida noite – ainda que elas saibam que serão meros objetos de diversão e nunca fantasiarão em ser marias-chuteiras como as modelos que disputam os atletas.

Fechamento
CV - Comando Vermelho (e Preto)
O devir bandido também está presente na ostentação do poder representado pela exibição de fuzis em fotos para lá de comprometedoras a reputação da classe. Sair em foto empunhando um fuzil não quer dizer em absoluto que o jogador seja um bandido capaz de cometer as mesmas atrocidades que os traficantes fazem. Não é esta a onda, embora o goleiro Bruno esteja preso por contradizer esta fala.

Na verdade eles estão ali fazendo pose para pegar emprestado o poder que seus amigos traficantes conquistaram e, ao cantar os funks dessa turma, flertam prazerosamente com a idéia fascinante do homicídio (poder máximo sobre a vida de alguém), mas sem tampouco ir além, então, na maioria das vezes, sublimam esta vontade fascinante no campo de jogo (de matar o outro) e quando marcam gols apontam para a imprensa com seus dedos em formato de pistolas simbolizando a conhecida personificação no mundo do futebol chamada de o matador, ou seja, aquele que marca gols e mata seu adversário, submetendo-o à sua força. Alegoria esta muito interessante no que diz respeito a tese do devir bandido elaborada aqui neste ensaio e que parece cair como uma luva aos jogadores do esporte bretão.

Devir Criança
Devir animal
Encerrando o debate sobre devires múltiplos presentes nos atletas, temos agora como tema o devir animal e o devir criança. A agilidade presente nos atletas de todas as modalidades esportivas remetendo a semelhança dos animais em seus habitats naturais. O Pulo do macaco de um galho ao outro, o olhar furtivo de um predador a se aproximar lentamente de sua presa, a exuberâncias dos músculos em total coordenação motora para a execução daquilo que seu plano genético o capacitou, mas que, assim como os homens, pode ou não ser bem sucedido.

De fato, o futuro também são os animais, não os animais em si apenas, mas o que há de furor e explosão estética e singular dos animais nos homens, a agilidade e habilidade para sobreviver às adversidades, a rapidez no raciocínio e a quebra de recordes sem precisar fazer parte do teatro do mercado vencedor, com suas indústrias de anabolizantes a fabricar falsas potências no homem apressado e desejoso da medalha dourada no peito. Vaidade burra que só alimenta as grandes indústrias e seu ego por tempo limitado, logo será esquecido e virá outro para figurar em seu lugar na mídia. Não há diferença no jogador que exibe um fuzil nas fotos e um atleta de alto rendimento que exibe sua boa forma à custa dos esteróides, ambos querem apenas ser Deus por algum instante – fantasia para tamponar provável baixa auto-estima ou sentimento de menos-valia em suas vidas antes da fama e da grana.

Pequeno tricolor derramando poesia
Apenas o devir criança poderá desviar a rota de colisão desta pulsão de morte desenfreada dos nossos amigos fascinados com o poder. É a inocência da criança neles mesmos que poderão fazê-los criar e inventar as saídas em seus campos de batalhas diante das adversidades, aquele gesto mais improvável em que ninguém mais poderia acreditar ser possível, uma união inabalável mesmo nas diferenças em que até os deuses do futebol conspiram a favor para que tudo se realize contra todas as previsões matemáticas.

São estes instantes mágicos todos eles movidos pelo devir criança presente na cena do crime, no campo de batalha, onde cada suor derramado no campo de futebol é como o sangue espirrado nos fronts entre inimigos em campos de guerra. E cada vibração da arquibancada é como se cada jogador representasse essa potência monstruosa presente nas massas ensandecidas na sublimação da vitória sobre seu oponente, da conquista de um território (título) sobre o oponente. E quanto mais títulos conquistados, mais poder e riqueza. Mas somente o devir Garrincha é capaz de dar um outro formato a essa luta de classes, aquela pela qual o drible é mais importante que o gol, o improviso encontra os atalhos que o roteiro treinado tinha perdido, onde a potência do singular desfaz as regras e o estabelecido pela razão e instaura o germe da força do acaso, desobedecendo conceitos, representações e acabamentos em nome de uma nova estética: da potência inventiva do homem, aquela em que ele se faz animal, bandido, puta e criança num instante mágico em que o tempo para - para celebrá-lo como vencedor. 
IFarias